terça-feira, 7 de maio de 2013

O ex-estranho - Paulo Leminski (para se pensar um pouco)

Invernáculo
(3)
Essa língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meu, eu dentro, eu, quase.

Já disse de nós.

Já disse de mim.
Já disse do mundo.
Já disse agora,
eu já disse nunca.
Todo mundo sabe,
eu já disse muito.

Tenho a impressão

que já disse tudo.
E tudo foi tão repente.

desastre de uma ideia

só o durante dura
aquilo que o dia adiante adia.

estranhas formas assume a vida

quando eu como tudo que me convida
e coisa alguma me sacia

formas estranhas assume a fome

quando o dia é desordem
e meu sonho dorme

fome de china fome da índia

fome que ainda não tomou cor
essa fúria que quer
   seja lá o que for